Wednesday, December 28, 2011

VAGÃO NÃO-FUMANTES



Boa noite, Estranho.
Você por acaso fuma? não? só estava imaginando
se você não é dos que têm
certa fraqueza
pelo perigo. Com certeza,
eu sei que não se pode fumar no trem,
há uma placa gritando isso grudada na janela,
não há como fingir ficar cega pra ela.
Mas então será permitido ao menos
ter uma conversa?
Ou você é do tipo totalmente avesso
a falar com quem não conhece?
É, parece
que cometi um engano
imaginando que você falava com estranhos.

Ah, é que você está ouvindo um som...
Você acharia um abuso
ou acharia bom
se eu me sentasse junto
do ruído que sai do seu fone de ouvido?
Porque seus fones, eles assobiam, sabia disso?,
não dá para fingir ser surda e não escutar,
como esse barulho que sobe do motor
ou como os anúncios do condutor
informando em que estação vai parar.
Ou você finalmente escolhe
que eu não somente me sente aqui mas também cantarole,
isso iria enfim, mas que saco!,
te pôr zangado?
Eu mesma não me oporia se você me cutucasse com o braço

acompanhando a canção.
Vamos tentar deste jeito, presta atenção:
você canta pra mim baixinho a faixa,
mas, no caso de se sentir envergonhado,
você pode apenas estalar a língua
ao ritmo da batida.
Ou me leva deste vagão
e toda
a sua vasta escolha
no gênero da proibição,
para escutá-la em outro lugar, é para
lá que você vai, ou estou errada?
Eu não me oporia se você me levasse pra casa,
embora seja a casa de um estranho,
pelo prazer do perigo ou por engano.

Esta é a sua vida?
Este é a nossa
estação entreposta
enquanto não chegamos ao dia?
Você se incomoda em nos apresentar agora?
Você estudou para o seu trabalho,
ou ele é só uma espécie
de último recurso
ou o plano B de toda uma série?
Ah não me diga que nada é tão simples quanto pode parecer,
é sim senhor, previsível e claro como água,
é tudo
uma questão de pôr a questão exata
e ter a coragem de ouvir e entender
a resposta que tiver de aparecer.

Se eu tenho uma vida própria?
Meu Deus, o que você pensa de mim, cara?
Que eu sou a garota de borracha,
um robô de látex, pronta para
a próxima?
É óbvio que eu sou o que sou,
você preenche o resto da fala.
Que mais...?
Me deixa pensar como digo isto se sou capaz,
bem, eu gosto de gostar de garotos bonzinhos
ou de um bom fingidor.
Alguma categoria te inclui com certeza.
E mulher..., já tentei, pode crer,
mas são precisamente as diferenças
(e cada qual quer o que quer), que me dão prazer.

Você acabou ou não de me oferecer
algo para beber,
mas eu fingi de repente ficar surda
e não dei escuta?
Sim, me sinto escandalosa, indecentemente seca.
A maior parte do blablablá ficou por minha conta,
nenhuma surpresa...
Sim, tenho mais de vinte, talvez...
Não sou precisamente uma senhorinha distinta,
pode perguntar de tudo, tenho nada que esconder.
Sim, e algumas das minhas roupas
já estão na idade de irem pra escola sozinhas.
Sou dura, então a roupa tenta parecer casual,
ou é sem pretender, o que dá igual.
Saúde! Aquilo ali é uma cama de casal?

Você não tinha me prevenido que era um profissional.
Me sinto embaraçada. Suas mãos, Estranho,
elas realmente têm a pegada.
Acabei de fazer um elogio,
você agora deveria me dar supostamente
seu muito obrigado ou o que é isso...
Ora, o prazer foi todo meu!
E digo isso literalmente...
Como você é tímido!
Como isso te aconteceu?
Não se pode ser assim em dias como estes,
nem mesmo se você fosse um adolescente.
Somos socialmente treinados para parecermos inexpugnáveis,
justo no ápice
da era da vulnerabilidade.

Então você é o geniozinho dos satélites.
Eu era boa na escola com números e fórmulas de equação.
Mas nunca tocaram sinos para mim.
Sempre soube que deveria ser atriz.
Era o meu chamado e não tive saídas.
A gente mente o tempo todo, sobretudo para si.
Não deveria ser tão difícil
atuar no palco como parece simples atuar na vida,
mas quando você conhece o ofício
e tem que mentir as suas falas,
você começa a compreender por que não é bem assim.
A verdade se torna um compromisso.
E mentir com verdade. Faz sentido?
Aparece na bilheteria do teatro, te reservo uma entrada,
desde que jure não ser amnésico e dar sumiço.

Esta é a hora
de ir embora?
Porque jamais sei,
há sempre uma hora de ir embora?
Provavelmente sim, é o que eu pensei.
Mesmo quando se tem vontade
de só ir, talvez, mais tarde.
Mas eu tenho a intuição de que vou
ver você de novo, ou,
mais provavelmente, vamos nos ver um ao outro.
Então agora me deixa deixar um beijo na sua bochecha
e pronunciar a minha deixa:
tchau, Estranho. Adeus ou até quando seja.
Aquilo ali é um elevador?
Onde aperto o interruptor?

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