I
Quando deitamos, a luz apagada,
como em metades rôtas nos retira.
Nem o mundo dos sonhos donde cada
qual revém nos funde e recomunica.
À noite, somos dois desconhecidos,
acaso na mesma cama dormidos.
Só nos percebemos quando acordamos
um ao outro, e enfim alguém ergue os panos
e avança a passo turvo até a janela,
revelando nela a luz amarela,
para, em seguida, trancar-se no banho.
E a solidão refaz-se então do espanto.
II
Às vezes me ocorre dormir com outro estranho.
Talvez um cheiro diferente então não deixe
levantar-se entre a gente a invisível parede,
e assim, se cansamos, segue um ronco falando
- alto demais, como a voz de uma má consciência,
ou muito baixo, de nua e muda inocência.
Paixão não é nenhuma razão para o sexo.
Nem amor pede sempre dois pra ser completo.
O desejo de ser desejada em quem amo
é legítima ambição da minha vaidade.
Mas amo a um estranho, que nada disso sabe,
e por não me amar ou já ter amado tanto
agora me obriga a dormir com um estranho.
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