Saturday, December 10, 2011

BIOGRAFIA


Tudo começou talvez só por jogo, e então já era.
E houve alguns fins sinceros, e alguns falsos por princípio.
Mas quando ele enfim se deu por isso, ai meu deus, quem dera.
Chegara ao ponto sem volta, em que viver vira vício.

Teve o meio-gozo do alívío, e o cheio da alegria.
Temeu perder os seus e aprendeu a falar com deus:
Falar sem ouvir. É, no início, tudo parecia
Simples e complicado, ou infinito como os céus.

Os riscos desajeitados foram ganhando formas.
Bom dia ao chegar, ao despedir-se dizer adeus.
Notou coisas erradas e se imaginou reformas.
Depois de ser tantos quixotes, vieram os romeos.

Ah, teve também othelos, finalmente, os dons juans.
E como demorava a espera: num só dia quanto meses?
Não devia ter trem donde vinham os amanhãs.
E nessa era nas aras de Amor queimou tantas vezes,

Que, ressurgido, ficou difícil não se habituar
E aspirar ao fogo, sabendo voltar sempre em cinzas.
Até se cansar do jogo e teimar em se casar.
Sitiou a meta resistida e levou aos confins as

Suas forças de humilhação. E ao fim, prostrado, venceu.
E é só nos olhos de um filho levado a ver o mar
Pela primeira vez que a eternidade ergue o seu véu
Sob o qual se guarda e neles se deixa contemplar.

Mas tudo tão veloz que mal dá tempo pra lembrar.
Não há o tempo do sono, mais pensado que pesado,
Não há o tempo pra casa dos pais nem pra hora do bar.
Sequer o do trabalho, o maior, e pior empregado.

Não há o tempo de viver, nem o tempo de morrer.
Repito. Simplesmente não há tempo. E após a pressa,
A sensação amarga de olhar pra trás e não ver
Em que lugar do projeto não se encaixou a peça,

Onde um simples erro gerou uma série de eventos
Que a outros apenas reforçaram. E mais do mesmo.
Descontados os desleixos e os desmerecimentos,
Acabou tudo meio sem conserto, e meio a esmo.

Se faltaram esforços ou acasos os desviaram,
Há motivos para se entender? E acaso interessam?
Quantos silêncios baldios nas frases que faltaram...
Quanto menos razões, mais se pede que não se peçam.

Pois sábios são os que sabem que não devem saber.
E quando se reúnem, esperam que não se meça
A sorte de cada um. Que servia reviver
O que feneceu mesmo antes de ter sido promessa?

Creu em mitos bons, que ajudam a esquecer o esquecido.
Só cuspiu sua fé depois de o mundo tê-lo engolido.
No fim, entendeu que ao tempo só roubamos olvido,
Mas que o que não roubamos é puro tempo perdido.

Foi usando os dias e enxergou o que não queria:
Ao espelho, com receio, confessou envelhecer.
Não desejou perdão, e outro remédio não havia.
Aceitou como única ambição o sonho de ser

E dele jamais despertar. Teimoso, foi ficando,
Agora já coberto de cabelos brancos. Quando
Voava um amigo, insistia em não seguir o bando.
Perdeu o medo de avião. Já não estava no comando.

Partiu um filho cinquentão, somente uma criança.
Transcorria mais tempo chorando que se vestindo.
Mas, desacostumando em ver e ouvir, uma esperança,
Ainda a distinguia acenando ao longe e mentindo

As mentiras belas que a gente insiste em se mentir.
Na desocupação da senilidade pensava
Em voltar a viajar, jogar bola, se divertir.
Só bebia se bailava ou se o santo reclamava.

Fumar, então, nem se pensava. Porém, imprevista,
Acometeu-lhe uma doença, e depois da primeira,
Uma mais grave em seguida, que foi, sem deixar pista.
Era tampouco a derradeira. Um elo na fieira.

Os dias mais longos são justo os que a lembrança mais furta.
Como quem tudo ainda espera, examinou em revista
A vida que inventara, e julgou-a boa. Mas curta.
Até que um dia, ao fechar os olhos, sumiu da vista.

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