Friday, December 9, 2011

EU SOU O QUE ME FAZ FALTA


Eu sou o que me faz falta
o que quero é o que me move
o de que mais careço só me preenche
tudo o que desejo porém não tenho

Eu sou aquele que não é
o que deus não poderia ter sido
sou a contingência da minha liberdade
híbrido de espontâneo e definido

Eu sou quem não soube amar
por isso detestavelmente universal
sou só sou todos nós
da medida do mundo nada e ninguém

Eu sou a vida a cada momento
modelo de armar
tanta argila tantos descomeços
e nenhuma pista

Eu sou a morte
tanto pó levantado agora
retomba ao chão na noite indivisível
espera amanhã o buliço baldio de novos passos

Eu sou o tesouro de todas as possibilidades
falhamos em dar-lhes carne
mas esperam o futuro que só conheço à distância
mas não escuto e detesto as mentiras da esperança

Eu sou a visita que virá e não se aguardava
um raio um trovão sou o medo
a casa que se mantinha fechada
capim alto a invado tenho fome

Sou o estranho que passou na estrada
e sem pedir bebeu tua água
pergunto a direção não dizem nada
mas não sei sentir raiva eu só me divirto

Eu sou o inimigo aquele a quem você matou
a viúva chorando gotas de desejo seco
também teu filho pão e suor escorrido
à mesa à ceia teu sangue compartido

Eu sou a lembrança dos mortos
amigos nos falam das profundezas dos sonhos
mãos que nunca voltarei a serrar como foi fácil
evitar os gestos justos hoje lamento mais que tudo

Eu sou a tristeza não fujo se me enfrenta
insisto em arrostar-lhe a face horrenda
que me cuspa me humilhe que me mate
não quero sabedoria quero fortaleza

Eu sou carência não sou desapego
só tenho compaixão porque não a mereço
sou o amor e as besteiras de amor
o amor que não sabe ser só mas nunca hesita em nos morrer

Eu sou mais louco ainda
nele me prendo se me treme não o temo
quero o que quero não me preservo mas todo me entrego
não remoo nem peço eu apenas cuido

Eu sou o verso quanto mais o perverso
minha palavra é a minha espada de vime
sou o feio o avesso do sublime
pródigo de uma beleza que desconheço

Eu sou o canto reiterado e a cada retomada
um silêncio seu que nos diz ao contrário
sou esse desespero esse grito que me escapa
me impede de calar e me espalha

Eu sou o que ninguém entende nem quisera
voz de minha não tenho só as que me emprestam
sou os acordes dos instrumentos todos soando a contrassenso
a confusão e o ruído sou o barulho bem-vindo ao mundo

Eu sou o sal e a manhã da promessa
é ouro o que se esconde por baixo da terra escura
nós somos a boca desse lodo que canta e nos olhos o estupor
du um mundo posto a nu sem qualquer pudor

Eu deformo a vida que toco
outro não posso pois a quero demais
sou bom e mau mesmo bruto diamante
cru e recozido infimamente gigante

Eu sou o erro o engano inevitável
de quem não teve outra maneira
a não ser erguer-se sobre a areia
o medo eu sou me vejo eu sou o horror

Eu mexo e remexo é não tenho jeito
fogo-fátuo fagulha me arrojo me afogo
mas na carne finco este prego
fui eu eu não nego

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