Friday, January 6, 2012

NOVO PACTO CIVIL

NOVO PACTO CIVIL: ACOMPANHADO DO ROL DOS DIREITOS HUMANOS VELHOS E NOVOS PARA SERES HUMANOS E ASSIMILADOS


Todo homem terá direito a ser homem.
Terá direito a não ter carro ou trabalho e será homem
para todos os efeitos e mesmo a despeito do seu desejo
de não ser homem.

Todo homem terá o direito de não ser ninguém
e, nesse caso, embora o exercício desse dom derivado
possa privá-lo de tudo mais, nunca a só renúncia será capaz
de impedir que todo ninguém seja também alguém.

Pois a todos assistirá o direito de não ser
coisa nenhuma no domínio do ser, a não ser
do fato e do direito por seu mero existir manifestado
de ser um homem, e quanto menos com isso se queira dizer.

E assim cada pessoa terá direito a consumir ou renunciar
a todas as prerrogativas e deveres que à gente incumbem,
sem que fazendo isso em coisa se transmude em algo diferente
a ponto de deixar de ser espécime gente da espécie gente.

Terá o direito de ser ou deixar de ser o que bem pretender,
ser homem do gênero homem ou mulher, assexuado ou bicha,
sapatão ou hermafrodita, infeliz com isso ou feliz da vida,
e poderá trocar de papel e nome nos papéis a que tem direito pelo simples fato de ser homem.

E todo homem ou mulher, velho ou jovem será também autônomo
em anuir a ser objeto ou sujeito do desejo alheio, salvo se inidôneo
para tal acordo, segundo cálculo racional, guiado pela ciência empírica
e isento de todo preconceito, hipocrisia ou insensatez metafísica.

E como todo homem terá direito a ter desejos ou não querer tê-los,
terá direito a desejar ter dinheiro ou a não o apetecer,
ou senão, mesmo querendo, e ainda o perseguindo,
se seguir não tendo, continuará homem em iguais dever e direito.

Todo homem terá direito a não ter terra e casa,
embora possa lhe aprouver aspirar por uma,
mantendo em todo caso o título de ser humano,
sem ser jamais proprietário de coisa nenhuma.

Portanto, todo moço, criança, velho ou mulher,
por ter tido o direito de nascer moço, criança, velho ou mulher,
terá igualmente o direito de nascer pobre.
E continuar mesmo assim tendo o direito de ter direitos.

Terá direito a não ter o que comer
e seguir sendo homem, apesar da fome.
Terá direito a ser doente
e seguir sendo gente, doe quanto doer-lhe.

Terá direito a nascer na favela e continuar e morrer nela.
De ser índio, mulato ou pardo, ruivo, verde ou preto,
e continuar sendo. Como lhe tocará o direito de ser branco
e, querendo ser negro, sê-lo, mesmo sem lograr êxito,

e, nessa hipótese poderá tornar atrás e conformar-se,
mas sempre lhe assistindo o direito de fazer sua escolha,
mesmo quando não teve escolha, ou, tendo podido,
escolhendo ser diferente, continuar sendo gente.

E mesmo não tendo decidido ser isso ou aquilo continuar sendo
senhor do seu destino, tratador do seu desejo,
pai complacente de sua falta de sino,
ou guardião diligente de seu diferente juízo.

E podendo ou não podendo pagar seu imposto,
todo homem prosseguirá sendo homem,
e terá o direito de buscar a felicidade onde
julgar que ela esteja, e de ter chances iguais a todos

ao persegui-la, seja modesto ou ainda se rico fosse,
e, sem perturbar a justa busca dos outros,
terá o direito de buscá-la do seu próprio jeito,
ou simplesmente não buscá-la, se for esse o seu gosto.

E sua ação só será punível caso cause prejuízos relevantes a terceiro,
que são aqueles cuja admissão tornaria inviável qualquer solução
de convivência racional. Mas não havendo modos de reparação,
todo homem será sujeito a uma pena proporcional a seu malfeito.

Todo homem terá informado das consequências dos seus atos,
e, encarcerado, pagará seus erros sem perder quaisquer outros direitos
que lhe cumprem por ser homem.
E, uma vez livre, será tão homem como continuou sendo desde o passado.

Todo homem terá em suma similar oportunidade de escrever sua história.
E, sendo capaz, terá o direito exclusivo de fazer e ver respeitadas as suas escolhas.
E, sendo humano, terá o direito de errar.
E, tendo errado, terá sempre o direito de fazer outras, certas ou tolas.

Porque todo homem terá direito a não ser direito nem perfeito.
Será assim titular inalienável da prerrogativa de errar e não ser exemplo.
E de ser tosco ou mesmo estúpido, ver novela ou levar tatuagem,
pois que a nenhum outro pode transferir seu direito de ser o único dono

de seu destino ou corpo: terá direito a usar piercing, se automutilar,
pular de asa-delta ou ser piloto de caça ou fórmula 1, ser enfim burro ou preguiçoso,
não ter estudos ou gastar seu tempo com baile ou jogo,
ter talentos naturais ou não naturais e optar por desenvolvê-los ou 0s refugar.

Fumar consciente dos riscos num cálculo de prazer e prejuízo
que só a si deve tocar. Ir e morrer em guerra local ou estrangeira,
lutando por lucros de gente terceira, enfim terá
o sumo direito ao suicídio,

pois como se pode afirmar que assistem
dignidade e autonomia
a alguém impedido de arriscá-la
ou tolhido da arbítrio de privar-se da própria vida?

Mas será válida esta sua opção
somente se for fruto de uma decisão ponderada e causada
pela própria força da reflexão,
não por medo, vergonha ou desinformação,

ou por obra de um mal físico ou do espírito
que o prive da visão lúcida
que lhe permita enxergar o horizonte da vida
em toda a sua envergadura.

E todo homem, ao morrer,
terá atestado no registro de óbito como causa do incidente
o fato de ter morrido no ato de estar sendo
um homem vivente.

Terá direito a ser nerd ou punk, e continuar sendo
Terá direito a ser sedentário ou senão desportista,
portador de especial necessidade ou normalizado,
e continuar sendo, se outro não queira ou não se consiga.

Terá direito a não falar português de gramática e ser escutado
com tanta ou mais ênfase que se tivesse falado
o mesmo discurso fundo ou raso com chiado de português europeu
e suas feias consonantes truncadas e caprichosas ênclises.

E, prosseguindo o elenco que não se entende exaustivo,
terá o direito de crer em um deus qualquer,
mas com todo respeito ao leigo,
e sem o direito de impor a sua religião a ninguém,

decisão essa quase sempre ditada pelo hábito irrefletido,
ou senão pela falta de coragem em arrostar-se a face
sempre difícil da verdade, que é uma dama difícil e exigente,
que nunca se entrega de graça pra gente,

exigindo trabalho e dedicação, compromisso e fidelidade.
Então não lhe será digno nem permitido doutrinar os filhinhos seus
na fé que escolheu, privos que estes são da maturidade e formação
necessárias para decidirem por si mesmos por crerem ou não em certo deus.

Que sejam mantidos livres para alcançar a verdade por suas próprias vias,
a salvo da tirania ainda que bem intencionada dos seus guias.
Pois deus está em nenhum ou todo lugar, basta a divina e mundana vontade
de o buscar para um dia encontrá-lo, quem sabe jogando dados...

E todo homem será por princípio sujeito ético, discursivo e de direito,
e um fim em si mesmo, mesmo sem o querer ou saber, a ponto que poderá
optar de modo provisório e parcial por ser às vezes objeto,
no trabalho voluntário ou pago, ou na atividade sexual,

se for isso de seu agrado ou conveniência, como, por exemplo,
se disso necessitar para prover o seu sustento.
E de se comunicar com quaisquer outros homens, por mais longe
que estejam e no que quer que esses por sua vez creiam.

Terá o direito de ser livre para morar e trabalhar em qualquer lugar do mundo,
estabelecer-se, pagar os tributos e falar a língua de outros países,
porque todo homem é membro titular da universal comunidade humana,
e inválida toda lei que erga muros à cidadania, ou que dela o prive.

E não haverá autoridade legítima, e regra não se obedecerá,
nem decisão alguma se tomará se não for baseada em argumentações
objetivamente aferíveis e consentíveis pela melhor das razões,
sensíveis à investigação e ao aprendizado dos fatos,

em lugar de sentimentos vagos, preferências imponderáveis,
superstições ou crenças sem fundamentos causados,
juízos de valor ou preconceitos. Assim, o modo como convivemos
será ditado não pelo que se dá na natureza,

mas pela busca racional de melhorar a nossa convivência,
e pelo projeto comum de nos assegurar a prerrogativa
de sermos felizes se o queremos e como o queremos.
Portanto, sendo homens ou mulheres, e, por conseguinte, sujeitos

a toda sorte de pressões genéticas e sociais desiguais,
seremos considerados iguais por direito, mesmo não sendo,
e, por motivos similares, seremos todos iguais,
independentemente de etnias ou circunstâncias locais ou de classe ocasionais.

E a despeito disso, louvados em nossas peculiaridades.
Porém, por mais desiguais que sejamos, ainda assim seremos
todos por direito iguais até o ponto em que cada possível diferença
não influa razoavelmente em nosso poder de ação

ou no poder de podermos mudar de direção, caso então
deverá haver compensação na medida de sua influência prejudicial.
Os critérios de justiça levarão (por que não?) em conta o mérito,
mas apenas até o limite da extensão do poder que temos

(e nem sempre temos) de, pela nossa só vontade ou denodo, exercer ingerência
nas nossas condições presentes ou prementes, ou nas futuras, como já se vislumbra.
Assim, todas as crianças e incapazes receberão suas iguais partes
em educação, chances na vida, amor e dignidade,

independentemente do seu merecimento, ou do de seus pais ou pares,
para que possam quando e se possível
um dia também atender ao mérito ou a outro critério,
conforme se descubra ou convenha e lhes seja informado a tempo,

de modo que possam também buscar sua felicidade a despeito
das ocasiões de seu nascimento ou de sua herança genética,
e, por informados, lhes seja possível perseguir seus destinos
com a devida prudência e planejamento, garantindo

o direito de na velhice poderem viver vidas tão ou mais legítimas.
Que a propriedade seja respeitada desde que não prejudique o direito
de dignidade, e por isso se entenda estritamente autonomia,
de todos ou parte considerável dos outros,

e, se houver direito de herança, não seja tamanha
a ponto de pôr em risco os critérios
de igualdade de oportunidade e de mérito, bem assim as demais regras
do jogo que garantem uma organização capitalista equilibrada, justa e honesta.

A vida será preservada como o maior tesouro do universo numeroso,
mas sem terrorismo. A Terra deve ser preservada só porque berça a vida.
E, no conflito entre as vidas, prevaleçam as razões de sobrevivência
dos entes mais conscientes, desde que não haja outro recurso.

Não poderão os animais ser submetidos a maus tratos sem motivo
convincente, tal pelo cuidado de tratá-los se doentes.
E comê-los somente por prazer, havendo sobejas fontes diferentes
de prover-nos de nutrientes, será sempre e simplesmente um delito.

Mas tampouco será bastante abandoná-los aos cuidados
da natureza madrasta, pois fazê-lo igualmente consiste
em tratá-los com crueldade por omissão voluntária.
Haverão como nós de ser poupados de seus ditames, quando aviltantes.

E assim, para todos os fins, serão gente como a gente,
e, enfim, homens por direito,
dotados do direito inalienável e inabolível
de também serem homens.

E quaisquer dúvidas se resolvam
com sabedoria e compaixão, com amor e razão,
e se renove conforme as ocasiões o movam
este pacto dos direitos do homem e do bicho cidadão.

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